Ducci não separa público do privado no caso dos táxis

Da coluna Caixa Zero, publicada nesta segunda-feira, 05 de jun 2012, na Gazeta do Povo:

Nós ainda não havíamos vencido nenhuma Copa do Mundo. A tevê não tinha chegado ao país. O presidente era Getulio Vargas. Ainda nem havia chegado a Segunda Guerra Mundial. E já em 1936, quando tentou explicar alguma coisa sobre o país, Sérgio Buarque de Hollanda afirmava que um dos problemas mais típicos de nossa cultura era que não conseguíamos distinguir direito entre o público e o privado.

Temos uma relação tão informal com o Estado que achamos que nossos governantes são pais ou mães da população. Pai dos pobres. Mãe do PAC. E ficamos tão na dependência desses padrastos que os consideramos como uma família verdadeira. E, na família, sabe-se, os limites entre o que é de um e o que é de outro tornam-se mais tênues. Portanto, o que é do Estado é meio nosso. E vamos tocando a vida assim.

Tanto tempo se passou, mas a análise continua sendo a melhor para explicar as decisões de nossos políticos em muitos casos. E de nossos funcionários públicos também. Nem todos, fique claro. Nem sempre. Mas vejamos dois exemplos bem recentes e bem locais para mostrar como “Raízes do Brasil” continua sendo útil para entender quem somos.

O exemplo número um vem da prefeitura de Curitiba, que sancionou a inusitada lei de hereditariedade dos táxis da cidade. Pela legislação, se um permissionário do serviço público morrer, quem fica com a permissão é a viúva ou os filhos. Ou seja: deram um jeito de transformar um bem do Estado (o serviço público) num patrimônio de indivíduos. O que é absolutamente ilegal, é claro.

Vale lembrar que a lei foi apresentada, aprovada e sancionada em apenas 42 dias, às vésperas das eleições. Os permissionários de táxi representam 2,2 mil eleitores, sem contar suas famílias, que são claramente beneficiadas pelo projeto. Até o fim do ano, a quantidade de interessados na lei deve subir, com a distribuição de novas placas.

Não é nem o caso de discutir o quanto isso prejudica o direito, por exemplo, de quem está de empregado no táxi há 20, ou 30 anos, ou mais, e não consegue uma placa própria. Desde os anos 1970 não são distribuídas novas licenças. As que foram ficando livres normalmente foram vendidas num mercado ilegal para o qual a Urbs fez vistas grossas até o caso ser denunciado pela imprensa.

O caso é lembrar que o que é do Estado não é de particulares. A decisão da prefeitura de sancionar uma lei visivelmente inconstitucional como essa é tão absurda que faz imaginar que o próximo passo seria passar cargo público de pai para filho. O sujeito fez concurso? Depois a vaga já é da família, pelos séculos dos séculos.

Não é difícil entender como isso influencia o exemplo número 2, que envolve o funcionalismo. Na semana passada, esta Gazeta publicou mais reportagens mostrando como policiais acreditam que os carros pagos com dinheiro suado do povão pertencem a eles para o que for. Civis e militares fazem a festa com o patrimônio público.

Compreende-se. Se as próprias autoridades dão o exemplo, é de se imaginar que a coisa não melhore nunca mesmo. Os policiais, que inclusive ainda não foram devidamente punidos pelo Estado, continuarão achando que têm todo o direito de fazer compras ou entrar num bordel com carro oficial. Público e privado viram mesmo uma coisa só.

Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/blog/caixazero/index.phtml?id=1261923&ch Acesso: 07. jun.2012

COMENTÁRIO:

Achei muito interessante o artigo do Rogério Galindo sobre o tema do patrimonialismo, pois é uma cultura política arraigada e que a solução parece estar mais longe do que nunca. O curioso é que mesmo entendendo essa máquina estatal como absolutamente equivocada fico estarrecida de perceber que se nós, cidadãos comuns, não a utilizamos tudo o que depende do PÚBLICO fica paralisado, nas três esferas de poder (Executivo, Legislativo e Judiciário), e aqui se manifesta o nefasto JEITINHO BRASILEIRO. Isso é para pensar um pouco mais no caso dos taxistas, essa questão é tão absurda que não acredito ter que discuti-la, e mais, o Ministério Público interferir nesse processo. O problema, como já disse em inúmeras aulas de políticas públicas, é que se não usarmos o famoso jeitinho, temos chance de ficar meses, anos e talvez décadas esperando algo acontecer, por isso essa cultura política é difícil de ser modificada, mas também não significa dizer que não devemos tentar.

Agora quanto a farra dos carros e dos motoristas particulares indevidamente utilizados, já cansei de pedir para jornalistas divulgarem este absurdo, e o mais absurdo do absurdo é que para eles isso tudo é normal, conduzir viaturas oficiais com militares em geral oficiais (tenentes até coronel) aos seus destinos, pergunto: se são policiais por que não dirigem as viaturas? por que deslocar tantos graduados para ficarem atuando como motoristas particulares e não como policiais? Li comentários em diversos blogs, na gazeta do povo, no site da APRA e os oficiais ASSEGURAM, AFIRMAM E GRITAM AOS QUATRO CANTOS QUE POSSUEM ESSE DIREITO. Eles não tem vergonha nenhuma, dizem ser prerrogativa militar. Esse é um motivo para repensar a Polícia Civil, mas especialmente a Polícia Militar com heranças da ditadura e que ainda deturpam a cidadania social, mas também a cidadania dentro dos próprios quartéis.