A História de uma derrota ideológica: o PT

Lula, Maluf e a bagunça partidária

Artigo Rogério Galindo – Gazeta do Povo  – 20 de junho de 2012. http://www.gazetadopovo.com.br/blog/caixazero/

O célebre “arquéologo do futuro”, quando quiser entender a política brasileira dos anos 1990 para cá, terá de necessariamente levar em conta o ego e a vaidade dos dois sujeitos que moldaram o quadro partidário que está aí. Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva inauguraram um período de “realpolitik” que culminou nesta semana numa estranhíssima aliança entre Lula e Paulo Maluf.

O início da história se dá em 1994. Itamar Franco era o presidente e havia dois grupos políticos com chances de chegar ao poder. De um lado, Fernando Henrique estava fortíssimo graças à genialidade do Plano Real, que nos livrou da praga da inflação e preparou o terreno para uma economia como a atual.

De outro lado, havia o PT de Lula. A lógica partidária (ideológica, se essa palavra ainda estiver em uso) era de que os dois candidatos unissem a centro-esquerda para derrotar uma coalizão de centro-direita, talvez liderada pelo PFL. Os egos, porém, eram grandes demais. E embora PSDB e PT tivessem pontos em comum, acabaram virando adversários.

Fernando Henrique, para viabilizar seu projeto, deu as mãos ao PFL de Antônio Carlos Magalhães, que era tudo o que os tucanos da época combatiam. E Lula ficou sendo a oposição “de esquerda”, que perorava “contra o FMI e tudo o que estava aí”.

O PT, porém, logo descobriu que esse discurso, por si só, não levaria ninguém à Presidência. Em 2002, veio a “Carta aos brasileiros”, garantindo que Lula não faria um governo radical, e logo o partido chegou ao poder. Como rabicho, não levou o PFL. Mas sim o PP, que era nada mais, nada menos do que a antiga Arena, base política da ditadura militar.

O resultado de tudo isso foi a bagunça partidária que está aí. O PSDB, antes um partido que, pasmem, realmente defendia a social-democracia, virou a principal legenda de centro do país. E se tornou o porto seguro para o DEM. Hoje, o partido, de maneira absolutamente imprevisível para quem vê a biografia de seus fundadores, se tornou a principal chance de ruralistas e conservadores chegarem ao poder.

Lula, por sua vez, resolveu que, para vencer o inimigo, valia a pena qualquer aliança. O curioso é que o inimigo passou a ser Fernando Henrique, com quem o PT havia combatido o autoritarismo. E os aliados passaram a ser Maluf, Jader e Sarney…

Por um lado, se tivessem combinado o jogo desde o início, Lula e Fernando Henrique poderiam ser considerados gênios por trás de um plano que ninguém previa. De um jeito ou de outro, conseguiram colocar a centro-esquerda no poder por cinco mandatos consecutivos e implantaram políticas sociais típicas do pensamento que ambos tinham lá atrás, antes dessa história toda começar. Além disso, reduziram a direita a auxiliar de seus projetos.

Por outro, olhando o reverso da moeda, alguém poderá dizer que ambos foram levados a acolher em suas fileiras tudo aquilo que mais desprezavam. E, de alguma maneira, deram fôlego aos Magalhães e aos Malufs, que acabam tendo, ao fim e ao cabo, a única coisa que sempre lhes interessou. O poder.

P.S.: Luiza Erundina, em meio a tudo isso, parece ter sido fiel ao que acredita e abandonou o barco em que Maluf entrou. Um raro exemplo de coerência em meio ao caos

Para os amigos tudo, para os inimigos a Lei! – Artigo Rogério Galindo

Para o Capão Raso, a lei. Para o batel, tudo.

Coluna Caixa Zero de Rogério Galindo, Gazeta do Povo: http://www.gazetadopovo.com.br/colunistas/conteudo.phtml?tl=1&id=1266204&tit=Para-o-Capao-Raso-a-lei-Para-o-Batel-tudo

Quem anda pelos bairros de Curitiba sabe que há milhares de quadras sem calçadas. Não é que tenham calçadas ruins, como aquelas do Centro, em que você torce o pé: simplesmente não existem calçadas. Quem quiser, que ande pela rua, desviando dos carros quando eles vierem. A situação é comum em quase todas as áreas fora do círculo mais central da cidade, aquele que aparece nos cartões postais. Do Portão ao Cajuru, passando pelo Xaxim, o pedestre precisa de sorte e juízo para não ser atropelado.

A alegação do poder público é de que fazer calçadas é obrigação do morador. A obrigação da prefeitura é fazer a rua (e sabemos como são bem feitas: basta ver que em 40 dias os vereadores protocolaram 250 pedidos de operações tapa-buracos urgentes para a cidade). Portanto, a segurança de quem anda pela rua depende do dono da casa ou da empresa. E ficamos combinados.

Para o Batel, no entanto, a lei parece ser outra. A prefeitura de Curitiba acaba de anunciar que vai fazer uma beleza de calçada em frente aos imóveis da região. Está lá, com destaque, na página da prefeitura. Na Avenida Batel e sua continuação, a Bispo Dom José, o poder público decidiu bancar calçadas de primeiro mundo. Serão mais largas do que as atuais, terão canteiros de flores (para separar os pedestres da rua e dar mais segurança), e haverá três espelhos d´água. Para completar, o asfalto será trocado e os cabos de energia serão enterrados, para melhorar o visual da área.

Os beneficiados, além dos próprios moradores (e de quem passa por ali) serão os donos de bares e restaurantes. A área é tipicamente comercial e atende à classe média-alta da cidade. No total, a prefeitura diz que o custo será de R$ 3,5 milhões, pagos pelo Fundo de Desenvolvimento Urbano do governo do estado. Mais para a frente, outras cinco ruas ganharão calçadas do gênero. Todas, claro, em bairros de alta classe: Carlos de Carvalho, Augusto Stresser, Fagundes Varella, São Francisco e Padre Ladislau Kula (ao lado do Parque Barigui) foram as escolhidas. Somando tudo, serão R$ 28,5 milhões. Desses, R$ 4,7 milhões saem do cofre da prefeitura.

Curioso é pensar que quem está pagando pelo luxo do Batel é justamente o morador da periferia. Quem quiser entender o que isso significa pode fazer um pequeno experimento urbano. Basta ir à zona sul da cidade e pegar a linha de ônibus Campo Alegre, rumo ao terminal do Capão Raso. Pertinho do campo do União Capão Raso, o time amador de futebol da região, o cidadão deve olhar para a esquerda e ver, em meio a um terreno baldio, a maior manilha a céu aberto que poderá imaginar.

A compensação que o morador do Capão Raso terá será a de saber que os curitibanos do Batel estarão andando em segurança e sem ter de ver fios de eletricidade quando olharem para cima. E em nenhum momento a prefeitura parece pensar em cobrar contribuições de melhoria dos comerciantes do Batel, pelo menos para usar o dinheiro em outro lugar.

Um último lembrete: os R$ 3,5 milhões que serão consumidos pelas calçadas do Batel são equivalentes a três vezes e meia o valor que a prefeitura e os vereadores destinaram à Cohab, em 2012, para o reassentamento de famílias em áreas irregulares.

O colunista André Gonçalves está de férias e volta a escrever neste espaço no dia 29 de junho.